
- 27/03/2023
- Oliveira Jr.
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Na sequência de artigos tratando da aplicação dos indicadores de desenvolvimento sustentável para municípios de Sergipe, vamos ver se o município de Barra dos Coqueiros pode extrair, dos dados disponibilizados, algumas indicações de políticas públicas capazes de levar a cidade a alcançar do desenvolvimento com sustentabilidade.
Como vimos no artigo anterior, a ferramenta disponível no site “Índice do Desenvolvimento Sustentável das Cidades” disponibiliza o chamado Radar dos ODS, em que os critérios do desenvolvimento são medidos a partir de estatísticas disponibilizadas para todos os municípios brasileiros.
O radar dos ODS da figura abaixo corresponde ao município da Barra dos Coqueiros, que possui uma classificação geral de 46,01 pontos e ocupa a classificação 2.979, entre os 5570 municípios para os quais os índices foram calculados. Como vimos no primeiro artigo da série, a Barra dos Coqueiros é a quinta melhor cidade no cômputo geral em Sergipe, liderado por Aracaju com 49,59 pontos (a escala vai de 0 a 100, e a melhor do Brasil tem apenas 65,62 pontos.

Comparando cada critério do ODS
Os dois municípios têm perfis parecidos, mas Aracaju pontual ligeiramente melhor nos indicadores, sobretudo com um percentual menor de pessoas abaixo do limiar de pobreza (63,5% em Aracaju e 67% na Barra, dados de 2017 ainda) e aparentemente conseguindo uma abrangência melhor nas ações do cadastro do bolsa família. Contudo, como na maioria das cidades brasileiras e em especial no Nordeste, a erradicação da pobreza ainda é um objetivo difícil de ser alcançado.
Aracaju consegue um indicador superior sobretudo no grave problema da desnutrição infantil. De acordo com os dados do SISVAN, Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, mantido no âmbito das políticas de saúde pública, a Barra dos Coqueiros (com nota 4,04) piorou bastante seus números em 2020, revertendo a tendência de queda verificada até 2019. Aracaju reduz seus indicadores lentamente, e obtém o índice 1,54, ainda acima do limite de 1 considerado como admissível para inverter a pontuação desse indicador. Rever as políticas públicas de desnutrição infantil portanto seria uma prioridade da Barra facilmente visualizada a partir dos indicadores ofertados pelo sistema.
No critério Saúde de Qualidade, os dois municípios estão igualmente carentes de melhorias. Aracaju aparece prejudicada pelas estatísticas de cobertura vacinal. Mas estes dados são de até 2020, e certamente devem ter sido profundamente alterados após a COVID. Para a Barra, a quantidade limitada de unidades básicas de saúde disponíveis para a população e a insuficiência do pré-natal (que também piorou no município até 2019, de acordo com os dados trazidos para o sistema a partir do DataSUS) indicam a necessidade de melhorias na Saúde.
Outro critério onde as duas cidades apresentam problemas. O ponto positivo é o acesso à internet e a qualificação dos professores, embora a Barra pior no quesito de formação superior dos professores da rede de ensino pública para a Educação Infantil. Mas os resultados dos alunos obtidos na Prova Brasil mostram os estudantes de Aracaju com resultados melhores, de maneira geral. A adequação idade/série, é um indicador bastante negativo nos dois casos, com Aracaju apenas pouco melhor. Os dados de conclusão do ensino médio por jovens são desesperadores, muito longe de um patamar aceitável, mas a série histórica desse índice vem do censo e, portanto, repete números de 2020, que certamente não refletem a realidade atual nem na Barra nem na capital do Estado. Acredito que neste critério, as alterações das políticas do Governo do Estado mudarão bastante quando o sistema refletir dados mais atualizados, melhorando de maneira geral.
Tema que tem sido destacado pela mídia no debate público, incorpora alguns indicadores de difícil mudança pelos gestores municipais. Um deles é a quantidade de mulheres jovens que não estudam nem trabalham, que na Barra alcança um indicador ainda mais alto. Como esse dado também contempla números do Censo, poderá apresentar mudanças significativas. Já o indicador de feminicídio é surpreendentemente mais baixo na Barra dos Coqueiros (12,83) que em Aracaju (20,37), ambos no ano de 2019 e origem dos dados através do DATASUS.
Já o critério Água Potável e Saneamento as duas cidades estão no sinalizador laranja, ou seja, mais próximas de uma situação confortável. No entanto a perda de água na Barra dos Coqueiros é de mais de 50%, enquanto em Aracaju está na faixa de 30% de acordo com o SNIS em 2020. Outro critério importante é o percentual da população atendida por esgotamento sanitário. Neste, a Barra dos Coqueiros pontua bem melhor que Aracaju, pois está próxima de 60% da população atendida (2020). Aracaju, para a mesma época, tinha menos de 54%. Mas as duas cidades estão bem no percentual da população atendida pelo fornecimento de água, bem como no tratamento dos resíduos de esgotos.
As duas cidades alcançam desempenho próximo ao patamar estabelecida como aceitável para o indicador verde, no entanto ainda refletem dados do censo de 2010, portanto certamente a realidade atual provavelmente é bem melhor neste item, refletindo a universalização da oferta de energia nas habitações. O indicador mais complicado do critério é o de vulnerabilidade energética, onde a Barra obtém pontuação melhor que a capital, possivelmente pela disponibilidade da geração termelétrica a gás natural dentro do município, além da geração eólica e acesso à hidroeletricidade.
Os dois municípios se defrontam com indicadores vermelhos, que indicam enormes desafios. Apenas o critério relativo à população ocupada entre 10 e 17 anos (que neste caso é desejável que NÃO trabalhe, por serem muito jovens) pontua como satisfatório. Os demais indicadores estão muito relacionados às questões gerais do emprego, e refletem uma situação bem mais favorável na capital, ainda que longe do desejável. Este é um critério que enseja ações ativas da municipalidade para melhorar, aliada aos Governos Federal e Estadual.
O critério é favorável às duas cidades, único que alcança o indicador verde. Tanto Aracaju como Barra dos Coqueiros realizam investimentos públicos, mas curiosamente o valor da Barra é superior quando considerado em termos per capita. A capital reduziu o investimento público percentual entre 2015 e 2018, e a Barra apresentou menos oscilações. O outro indicador considerado é a quantidade de trabalhadores com registro na RAIS em atividades intensivas em conhecimento e tecnologia: neste, a capital pontua com 29,90 e a Barra tem 17,44, ambos os números superiores à média nacional e ao mínimo estabelecido de 14,3% para o conjunto das cidades. Certamente, a presença forte das empresas da Barra fortalece esse índice em relação à média comum das cidades brasileiras, enquanto Aracaju, por centralizar atividades de ensino e pesquisa e sediar empresas que utilizam intensivamente tecnologia, tem um perfil destacado.
O critério Redução das Desigualdades apresenta componentes bem variados. Os primeiros indicadores dizem respeito à distribuição de renda, e o Atlas do Desenvolvimento Humanos no Brasil apresentou números que tentam traduzir a realidade da desigualdade. Se lhe perguntassem qual o percentual da renda do município que é apropriada pelos 20% mais pobres da população, que número você estimaria para Aracaju? De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano, apenas 2,32% da renda da cidade chega aos 20% mais pobre da população. Por este indicador, a Barra é menos desigual, pois lá esta parcela dos pobres fica com 3,14% da renda. Em ambos os casos, é muito pequeno o percentual e muito pequena a renda, por isso esse critério é um dos que exigem as mudanças sociais mais significativas, inclusive alguns aspectos de segurança pública como indicadores de homicídios e violência contra a população LGBTQI+. Neste item, em particular, a Barra apresenta números muito negativos e crescentes entre os anos de 2018 e 2020 de acordo com o DataSUS.
No critério, a Barra pontual melhor que Aracaju no indicador de mortes no trânsito, em que os números de Aracaju ainda são muito altos, embora declinantes. O número de domicílios em favelas em 2019, de acordo com o IBGE – Aglomerados Subnormais, é percentualmente mais alto em Aracaju (15,78) que na Barra (11,42). Outros indicadores, como o percentual da população que gasta mais de 1h ao dia nos deslocamentos entre casa e trabalho, também mostram situações abaixo do desejável, nas duas cidades, em parte isso na Barra por conta da população flutuante que mora lá e trabalha em Aracaju, acredito.
O principal item diz respeito à quantidade de lixo coletada em proporção à população total, em que o indicador para Aracaju está próximo do patamar desejável (que é de 1,5 toneladas por habitante/ano, Aracaju já alcança estes índices nos últimos anos abrangidos pelo SNIS, até 2020, mas como a média inclui anos anteriores e esse indicador estava bem pior em 2018, a média ainda não beneficiou a cidade). Na Barra, o índice é satisfatório em 2020, mas foi muito ruim no ano anterior. Os outros dois indicadores dizem respeito à coleta seletiva, tanto o aproveitamento do resíduo coletado como a proporção da população atendida por coleta seletiva. Os dois municípios ainda estão bem abaixo do indicador desejado, sendo a Barra próximo a zero, enquanto Aracaju apresenta evolução positiva crescente.
Neste item, o relativamente baixo índice de industrialização e adensamento habitacional acaba sendo vantajoso para as cidades nordestinas. O indicador ainda não alcança o desejado, mas as duas cidades estão mais próximas. Aracaju, contudo, perde por emitir uma quantidade bruta de CO2 maior, embora pontue melhor na existência de instrumentos de prevenção de desastres naturais. Curiosamente, o desflorestamento (área desflorestada em relação à área total do município) é menor em Aracaju e vem melhorando, enquanto a Barra apresenta indicadores piores neste critério.
Este item tem apenas um indicador, que é a proporção do esgoto tratado (evitando assim a contaminação marítima). Neste indicador Aracaju tem um número pior que a Barra, tratando apenas 35% do volume total. Já a Barra alcança 54%, e está mais próximo do patamar verde mínimo, que se daria nos 70%.
Este item tem como indicador números advindos do sistema MapBiomas, que utiliza imagens de satélite para avaliar a cobertura florestal do território. Aracaju tem apenas 0,003% do território coberto por florestas, número muito abaixo do indicador de 25,24% estabelecido. A Barra possui apenas 0,29%, número também muito ruim. Usei uma imagem do website MapBiomas apresentando os dois municípios que demonstra como está ficando cada vez pior a cobertura florestal em ambos os casos. Os outros dois indicadores do critério dizem respeito a existência e proporção da área ocupada por unidades de conservação ambiental, no qual a Barra dos Coqueiros pontua melhor do que Aracaju. As duas cidades atendem o requisito de maturidade dos instrumentos de financiamento da proteção ambiental, de acordo com o IBGE.
Este critério apresenta sete diferentes indicadores, e as duas cidades estão com o indicador vermelho. As taxas de homicídio, embora declinantes, ainda são altas e a Barra dos Coqueiros tem situação pior que Aracaju (base 2019). As mortes por agressão e os homicídios juvenis também são preocupantes nos dois municípios, mas vinham apresentando situação de melhoria entre 2017 e 2019, mas curiosamente as estatísticas estão dentro do patamar razoável para as mortes por arma de fogo, nos dois casos. Os dois municípios ainda podem melhorar, mas já estavam conseguindo, a estruturação das políticas de proteção aos direitos humanos e a de transparência.
Este item é medido por apenas dois indicadores, sendo o primeiro o valor em R$ per capita dos investimentos públicos no município, medido pelo SICONFI. Aracaju vinha melhorando, como já vimos, o valor do investimento por habitante, chegando em 2019 a um valor próximo a 300,00 por pessoa, ainda abaixo do mínimo desejado (563,26). A Barra teve números melhores, mas declinou em 2020 e ficou com o valor de R$ 326,00. O segundo indicador do critério é o total de receitas arrecadadas diretamente pelo município, em relação à arrecadação total, proporção em que Aracaju tem um índice historicamente confortável e na Barra melhorou bastante após 2017, permitindo também alcançar o indicador verde neste item. Este é um ponto importante, pois as cidades interioranas costumam ter dificuldades de implantar sistemas próprios de arrecadação, tanto para IPTU como ISS, e a Barra parece ter superado este dilema conseguindo auferir arrecadação significativa.
Antecipando conclusões
Abaixo, veremos critério por critério como estão posicionados os indicadores para as duas cidades, Aracaju e Barra dos Coqueiros. Basta clicar em cada um dos critérios para ver detalhes dos indicadores que compõem para item com breves comentários.
De maneira geral, podemos antecipar desde já algumas conclusões:
- Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável compõem de fato um conjunto de políticas e métricas bastante amplo, um desafio de gestão pública que merece ser bem conhecido, estudado, e tomado como objetivo por todo Prefeito ou gestor público que efetivamente deseje incentivas políticas públicas para o bem do povo.
- A quantidade de indicadores (uma centena!), a situação dos dados estatísticos no Brasil pós-pandemia e sem censo (não realizado em 2020), atrapalha muito a consideração dos números. A Barra, pela evolução urbana mais recente, pode ficar mais prejudicada pela falta de confiabilidade dos dados de algumas fontes oficiais. Em certas situações, o aumento populacional recente pode ter alterado os índices medidos, ora melhorando os números do município pequeno e pobre do século passado que cresceu muito rapidamente nos últimos dez anos, ora revelando novos e difíceis problemas com a massa de moradores migrantes e a urbanização caótica, além do prejuízo ambiental.
- Apesar disso, logo se percebem que ações do Prefeito podem alterar para melhor diversos critérios, especialmente se associar a ação da municipalidade às ações do governo Estadual e Federal. Isso fica bem evidente na Saúde, Educação e Meio Ambiente, mas também ganha relevância nas políticas para a igualdade, combate e fome, melhorias das instituições e várias outras.
O instrumento, portanto, revela-se bastante válido para estimular a reflexão e embasamento de boas políticas públicas para as cidades.