
Papel do Tutor no Ambiente Virtual de Ensino
- 01/11/2021
- Postado por: Oliveira Jr.
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Categoria:
Tecnologia Educacional
,
Humano no mundo virtual:
atribuições em uma instituição modelo
José de Oliveira Júnior [1]
Resumo:
Apesar papel de destaque do tutor dito virtual na literatura sobre educação à distância, restam algumas incompreensões quanto ao seu papel, a começar do adjetivo virtual que não deveria ser aplicado a pessoas. As incompreensões, sobretudo nas instituições de ensino brasileiras, são amplificadas quando se analisa as exigências de qualificação, a multiplicidade de atribuições e a baixa remuneração, o que é analisado a partir de um caso concreto um uma Universidade Federal, revisando a literatura brasileira recente. No que toca à regulamentação das atividades de apoio à docência, concluímos que a realidade brasileira ainda é anacrônica até no que diz respeito ao próprio professor.
Palavras-chave: educação à distância, tutoria, profissão docente, tutoria virtual, qualificação docente.
Abstract:
Despite the prominent role of the so-called virtual tutor in the literature on online education, there remain some misunderstandings about his role, starting from the adjective virtual that should not be applied to people. The misunderstandings, especially in Brazilian educational institutions, are amplified when we analyze the qualification requirements, the multiplicity of attributions and the low remuneration, which is analyzed from a concrete case in a Federal University, reviewing the recent Brazilian literature. When it comes to the regulation of teaching support activities, we conclude that the Brazilian reality is still anachronistic even as far as the teacher himself is concerned.
Keywords: e‑learning, tutoring, teaching profession, virtual tutoring, teacher qualification.
1 Introdução
A efervescência do e‑learning, dentre as muitas transformações que introduziu ou ajudou a consolidar na educação, fez surgir naturalmente uma variedade de novos atores e práticas nas instituições de ensino. Muito se discutiu, em um debate que permanece aceso, sobre os tutores, um novo tipo de profissional que está se vulgarizando junto com a oferta de mais e mais cursos on-line.
Alguns acrescem ao termo tutor o adjetivo “virtual”, para caracterizar sua atuação enfaticamente voltada ao ensino através da WEB, em ambientes virtuais de aprendizagem. Contudo, optamos por iniciar esse artigo justamente recusando esse adjetivo, que a nosso julgamento leva o leitor a confundir os tutores humanos – que exercitam uma atividade através de meios digitais, com possíveis tutores realmente virtuais.
Explicitada a distinção, e ainda dentro de um modelo de análise que busca predominante revisar a farta literatura existente sobre o assunto, confrontamos a pluralidade de papéis atribuídas ao nosso ator e personagem, o tutor, com uma situação específica de exercício desta atividade em uma Universidade pública, no caso a Universidade Federal de Sergipe (UFS, 2014 e Edital 1/2021).
O objetivo final é lançar luzes sobre a contribuição deste novo profissional do ensino, buscando delimitar seu potencial de atuação e limites práticos.
2 Diferenciando tutores virtuais e humanos
Os tutores que chamamos realmente virtuais assumem a forma de avatares e são concepções de fato virtuais, ou seja, são produtos de software. Ainda que relativamente incomuns no estágio atual de funcionamento dos LMS (learning management software) ou AVA (ambiente virtual de aprendizagem), existem várias experiências avançadas de implementação descritas, e os recentes avanços no uso de avatares rodando sobre plataformas conexas de inteligência artificial provavelmente estimularão fortemente sua popularização nos ambientes de educação à distância.
Um exemplo desse tipo de tutor é descrito em Marcos et al. (2019). Vale a pena conhecer em mais extensão a definição do tutor virtual fornecida na conclusão do artigo que demonstra sua construção e aplicabilidade no modelo de ensino utilizado em uma Universidade aberta:
O Tutor Virtual é uma analogia do tutor humano, pois adota uma interface antropomórfica com características emocionais, com inteligência artificial, devendo estar capaz de estabelecer uma relação empática com o aluno enquanto o motiva para a participação e realização das tarefas letivas de uma determinada unidade curricular. O Tutor Virtual deverá estar disponível online para cada estudante, instanciando-se como um mediador que interpreta um determinado estado do aluno, em termos da sua assiduidade, participação e avaliação, para espoletar ações de aviso, recomendação e informação, procurando motivar à participação e envolvimento na unidade curricular (Marcos et al., 2019, p. 38).
Veja-se que esta analogia do tutor humano” se coaduna bastante com a definição de tutor que encontramos como geralmente descrita como tutor virtual. Recuperamos aqui uma citação de Grossi et al., (2013, p. 661), para enfatizar a necessidade da distinção terminológica:
Diante da estrutura organizacional dos cursos a distância na modalidade online através das classes virtuais com base na internet, o trabalho do tutor virtual e suas interações com os outros atores, que configuram o curso em que atua, adquire relevância fundamental. A tutoria ganha grande importância nesse contexto virtual de aprendizagem por ser responsável por assegurar as comunicações bidirecionais entre tutor-aluno e aluno-professor, comunicações que são essenciais para que ocorra a construção do conhecimento (Grossi et al., 2013, p. 661).
Este tutor “virtual” é um tutor humano, desempenhando uma atividade predominantemente on-line (o que, esperamos, não lhe retira a humanidade, por certo!). Atividade esta que se articula de forma “essencial” com a atuação tipicamente multidisciplinar do time organizador das atividades de educação à distância. Esta simples comparação estimula à comparação dos papéis atualmente exigidos do tutor humanos, como veremos a seguir no caso concreto de um modelo adotado por uma Universidade Federal seguindo os ditames da concepção federal para as Universidades Abertas e sua oferta de ensino superior online (ou parcialmente online).
3 Tutor na Universidade Aberta
3.1 Edital da UFS
Em julho de 2021 a UFS lançou um Edital para a seleção (ainda em curso no momento em que escrevo) para a contratação de tutores (UFS, 2021). O exaustivo texto detém-se em demasia nas regras de seleção de candidatos, mas remete-nos às regras oficiais adotadas pela instituição, que pretendem estar em sintonia com a CAPES, do MEC, para a definição do papel dos tutores (UFS, 2014).
Para a instituição, é ao que compete realizar “atividade de apoio técnico-pedagógico, necessários ao acompanhamento das atividades acadêmicas dos discentes, visando à facilitação da aprendizagem”, buscando orientar o processo seja nas “atividades presenciais ou no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), mediante divulgação de informações gerais sobre o funcionamento acadêmico dos cursos, esclarecimento de dúvidas sobre conteúdos, metodologias de ensino e motivação para permanência do aluno nos cursos” (UFS, 2014).
O tutor, portanto, se dedica a atividades no ambiente digital e também no ambiente presencial, devido ao caráter híbrido do modelo aberto. Mas suas atribuições são distinguidas de maneira clara nas duas frentes de trabalho: “A tutoria é exercida na modalidade Presencial e a Distância. I. A Tutoria Presencial é desenvolvida, nos polos de apoio, de forma individual ou coletiva. II. A Tutoria a Distância (AD) é realizada virtualmente, de forma individual e coletiva, sobretudo no Ambiente Virtual de Aprendizagem — AVA.”
Quando examinamos mais atentamente os requisitos de capacitação profissional exigidos, vemos que mesmo o Tutor Presencial usa parcela considerável do seu tempo para orientar o uso do ambiente virtual, permitindo que o professor se dedique prioritariamente ao conteúdo das disciplinas.
A ênfase é clara na descrição detalhada das atividades contidas no documento:
“Compete, especificamente, à Tutoria Presencial: I. Orientar os alunos sobre o uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), em todos os aspectos inerentes ao sistema, tais como: a. acesso; b. localização das páginas das disciplinas; c. atividades programadas; d. planejamentos acadêmicos; e. recursos multimídia ou recursos de aprendizagem complementares; f. identificação de tutores AD; g. envio de atividades; h. consulta a resultados de atividades, além de participação em chats e fóruns, dentre outras. II. Enviar mensagem na primeira semana do período letivo, a todos os alunos, com as seguintes explicações pertinentes ao uso do AVA: a. como acessar a Plataforma Moodle; b. como acessar as páginas das disciplinas; c. como atualizar o perfil pessoal; d. como participar dos fóruns e chat; e. como enviar mensagens aos demais usuários do sistema; f. como identificar tutores, colegas e demais usuários do sistema; g. como verificar calendário de atividades; h. como enviar atividades programadas (UFS, 2014, p. 5)”.
3.2 Regulamentação e Remuneração
Em uma rápida compilação, Bernadino (2011, p. 6) afirma que “as instituições de ensino que investem em EaD têm dado cada vez mais espaço ao tutor, profissional responsável pelo processo de interação aluno, professor e material didático”. De fato, o exame da regulamentação da UFS corrobora esta afirmativa e demonstra que o papel do tutor (que, vale lembrar, começamos por dizer da inadequação do adjetivo “virtual”) é exercido de forma orientada ao ambiente digital, mesmo em atividades presenciais, possivelmente para assegurar aos estudantes pouco ambientados com o uso da WEB resultados melhores na prática diária com os dispositivos de acesso ao AVA.
Essa preocupação está disposta, para as Universidades que oferecem a modalidade aberta, em disposições da CAPES que remontam a 2004 e já previam explicitamente a tutoria ao permitir a inclusão de “métodos e práticas de ensino-aprendizagem que incorporem o uso integrado de tecnologias de informação e comunicação para a realização dos objetivos pedagógicos, bem como prever encontros presenciais e atividades de tutoria” (MEC, 2004, p. 1).
No entanto, apesar da descrição das atividades ser detalhada, e da exigência de qualificação ser significativa (inclusive de conhecimento relacionado à a disciplina e adicionalmente de conhecimento técnico de informática), o vínculo de trabalho utilizado é a modalidade de bolsa temporária, e remuneração, em 2020, de R$ 1.100,00 ao mês (MEC, 2017, p. 1).
Ou seja, a maior complexidade dos requisitos profissionais não leva a uma remuneração melhor nem tampouco a uma regulamentação profissional adequada.
Este cenário, diante dos desafios da regulamentação da própria atividade docente no Brasil, não chega a ser surpreendente. Em uma importante análise que demonstra o quanto a profissão de professor no Brasil, apesar de uma profusão de regras e forte burocracia, não consegue ultrapassar a herança do Império:
A estatização da docência – iniciada, no Brasil, com a reforma pombalina – não foi capaz de levar adiante a construção de uma codificação deontológica nos moldes das existentes para as demais profissões liberais, caso dos médicos, dentistas, advogados, engenheiros, dentre outros. Assim, embora também sejam regulamentadas pelo Estado, essas profissões possuem um maior grau de autonomia na gestão e na fiscalização internas, realizadas por seus próprios membros, o que não ocorre com a classe dos professores. Ao controlar o exercício formal da docência, o Estado atribui ao professor a condição de funcionário, privando-lhe de autonomia na regulação de sua profissão (Cericato, 2016, p. 3).
O ponto destacado por Cericato é muito relevante: na docência, os profissionais do ensino não regulamentam a sua atividade, e assim, ainda que rapidamente possam compreender e importar os modelos educacionais trazidos pela modernidade tecnológica, traduzir esses modelos em regulamentação profissional, alteração das carreiras profissionais, e enfim, levar ao mundo institucional as mudanças que já revolucionaram o universo da prática educacional diária, é sempre difícil.
3 Considerações Finais
Começamos essa revisão bibliográfica do papel e atribuições do tutor no mundo da educação à distância por questionar o adjetivo “virtual” aplicado aos profissionais da atividade. Alguns autores chamam de “tutor virtual” a um profissional da educação, uma espécie de facilitador pedagógico que colabora com o professor cuidando de vários aspectos que, na dinâmica online requerem uma assistência especial ao aluno.
No entanto, o tutor de que falamos é humano (demasiado humano, como diria Nietzche, talvez?). Avanços tecnológicos podem levar a vulgarização de avatares digitais com capacidade se tornarem, estes sim, tutores realmente virtuais. Assim, ajustar o vocabulário é importante, para não sacrificarmos a humanidade dos tutores, e para compreendermos a diferença de papéis.
Deste comentário, introduzimos um caso concreto de uma Universidade Federal inserida no programa federal de Universidades Abertas, que usa tutores humanos, denominados tutores presenciais, em modalidade presencial e à distância. No caso específico, mesmo na modalidade presencial, as atividades exigidas do tutor são fortemente relacionadas ao ambiente virtual de aprendizagem, preparando e facilitando o domínio do aluno.
Ainda assim, é necessária a atuação complementar do tutor à distância, este sim, cujas atribuições são completamente aderentes ao que a literatura chama de tutor nos cursos de educação à distância.
Discutindo as exigências de qualificação e remuneração destes profissionais, vimos que há uma disparidade bastante grande, sobretudo porque a atividade do tutor acontece apenas na modalidade de bolsas temporárias, de acordo com o modelo e valor salarial definido pela CAPES. Assim, apesar do papel inovador, o nível remuneratório desses profissionais é desestimulante.
Finalizamos traçando uma consideração adicional que ajuda a explicar esse cenário: A reflexão sobre as dificuldades da própria compreensão e regulamentação da atividade docente, que certamente contribui para o baixo nível da remuneração, não só do professor, mas das várias atividades complementares ligadas ao ensino. No caso brasileiro, bem desenhado por Cericato, isso remonta, entre outras razões aqui não discutidas porque fogem ao escopo deste trabalho, à dificuldade de superar a visão das instituições educacionais ainda no período pombalino, o que exemplifica, por uma ótica original, um novo aspecto do choque inerente aos desafios de uma educação moderna e predominantemente voltada ao ambiente virtual, ainda presa às instituições anacrônicas.
4 Referências Bibliográficas
Bernadino, H. (2011, julho). A tutoria na EAD: os papéis, as competências e a relevância do tutor. Revista Cientifica de Educação a Distância. https://bit.ly/2UH18iv
Cericato, I. L. (2016). A profissão docente em análise no Brasil: Uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 273–289. https://doi.org/10.1590/S2176-6681/373714647
Grossi, M. G. R., Costa, J. W., & Moreira, M. M. (2013). O papel do tutor virtual na educação a distância. Educação (UFSM), 659–674. https://doi.org/10.5902/198464446656
Marcos, A., Carvalho, E., Martinho, C., Cláudio, A. P., Carmo, M. B., & Rocio, V. (2019). Os avatares Maria e João: Tutores virtuais na plataforma e‑learning da Universidade Aberta. https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/8238
MEC. (2004). Portaria 4.059/2004.
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/nova/acs_portaria4059.pdf
MEC. (2017). CAPES, Portaria 139/2017. MEC. https://bit.ly/3eRyrWV
UFS. (2014). Instrução Normativa Número 01/2014 UFS/CESAD. UFS. https://bit.ly/3iKLSZO
UFS. (2021). Edital 1/2021 UFS/CESAD. https://bit.ly/3i1qe4t
[1] Economista. Especialista em Ciências Sociais (Estado e Sociedade no Nordeste do Brasil) e Empreendedorismo. Mestrando em Tecnologias Emergentes em Educação pela Must University. E‑mail josedeoliveira.junior@gmail.com.
Artigo publicado em Rocha, B. B. da, Ivanicska, R. F., & Silva, J. (2021). Os cenários da educação contemporânea: Debates, desafios e perspectivas (1o ed). Editora Schreiben. https://doi.org/10.29327/551956.