Plugados ou perdidos?

DESAFIOS DA GESTÃO: O PAPEL DO COORDENADOR DE INFORMÁTICA 

José de Oliveira Júnior[1]

Resumo:

O coor­de­nador de infor­máti­ca nas esco­las é o profis­sion­al onde se cen­tra um aspec­to impor­tante do debate sobre tec­nolo­gia edu­ca­cional. Sua importân­cia cos­tu­ma ser enal­te­ci­da, assim como a exten­si­va listagem das suas atribuições de roti­na. Porém, se bus­car­mos uma per­spec­ti­va um pouco mais históri­ca e mais ger­al sobre as questões da tec­nolo­gia na edu­cação, seu papel con­tin­ua sendo rel­e­vante? Este arti­go toma par­tido da dico­to­mia cita­da por alguns autores que opões os “plu­ga­dos” e os “per­di­dos”, para dis­tin­guir cam­in­hos para pro­je­tos mais amp­los de edu­cação con­stru­to­ra de futuro, não ape­nas adep­ta de mod­is­mos edu­ca­cionais suposta­mente mod­ern­izantes para com­preen­der mel­hor seu papel. 

Palavras-chave: infor­máti­ca, esco­las, edu­cação, plu­ga­dos, pro­fes­sor, tec­nolo­gia educacional

Abstract:

The com­put­er coor­di­na­tor in schools is the pro­fes­sion­al who focus­es on an impor­tant aspect of the debate on edu­ca­tion­al tech­nol­o­gy. Its impor­tance is usu­al­ly praised, as well as the exten­sive list of its rou­tine assign­ments. How­ev­er, if we look for a slight­ly more his­tor­i­cal and more gen­er­al per­spec­tive on the issues of tech­nol­o­gy in edu­ca­tion, does its role con­tin­ue to be rel­e­vant? This arti­cle takes advan­tage of the dichoto­my cit­ed by some authors who oppose the “plugged in” and the “lost”, to dis­tin­guish paths to broad­er projects of edu­ca­tion that build the future, not only adher­ing to sup­pos­ed­ly mod­ern­iz­ing edu­ca­tion­al fads to bet­ter under­stand their role.

Key­words: school TI pro­fes­sion­al, com­put­er coor­di­na­tor, edu­ca­tion­al technology

1 Intro­dução

O uso da tec­nolo­gia infor­ma­cional nas esco­las, emb­o­ra já ultra­pas­san­do décadas de exigên­cias de reflexão, con­tin­ua a ser um prob­le­ma desafi­ador e que sug­ere cam­in­hos diver­si­fi­ca­dos e muitas vezes incom­preen­di­dos. Neste tex­to, nos­so desafio é rev­er a questão sob o pon­to de vista da gestão de um novo per­son­agem das esco­las intro­duzi­do neste con­tex­to de mod­ernidade: o pro­fes­sor coor­de­nador de tec­nolo­gia edu­ca­cional, usu­al respon­sáv­el pela imple­men­tação de pro­je­tos que envolvem as tec­nolo­gias de infor­mação e comunicação.

Seu papel assume nat­ur­al relevân­cia, pois é muitas vezes deb­ita­do à sufi­ciên­cia do seu pro­tag­o­nis­mo o êxi­to ou fra­cas­so de pro­je­tos. Assim, pesa sobre os seus ombros o debate que per­pas­sa a esco­la sobre toda a relação entre edu­cação e TI. Cabe de cer­ta for­ma à sua ativi­dade a reflexão sobre como a esco­la pro­gride na absorção dos novos instru­men­tos da tec­nolo­gia, e espera-se que seu tra­bal­ho seja tam­bém o desaguadouro dos pro­je­tos pedagógi­cos da insti­tu­ição, muitas vezes elab­o­ra­dos por pro­fes­sores que temem o novo ambi­ente de mod­ernidade tecnológica.

Assim, seus desafios profis­sion­ais acabam incor­po­ran­do o desafio maior, da sociedade como um todo, que divide os plu­ga­dos e os per­di­dos, para usar a expressão que primeiro vi expres­sa no tra­bal­ho de Bar­reto (2004), mas tem sido usa­da por vários out­ros autores para resumir mais uma dico­to­mia da sociedade, entre tan­tas out­ras definido­ras do rumo de um ques­tion­a­men­to mais amp­lo sobre o saber e a edu­cação no mun­do moderno.

Neste tex­to despre­ten­sioso, ten­to delim­i­tar dois dis­cur­sos que me pare­cem con­frontar-se no dia a dia dos debates sobre edu­cação, ten­tan­do apre­sen­tar uma ráp­i­da revisão bib­li­ográ­fi­ca a par­tir de alguns tex­tos onde ess­es con­ceitos se apre­sen­taram, à min­ha leitu­ra, de for­ma mais evi­den­ci­a­da, desnudan­do a dico­to­mia que jul­go exi­s­tir. Rev­e­lar o debate não sig­nifi­ca, claro, decidir-se de antemão por um dos lados, mas ape­nas evi­den­ciar a neces­si­dade de reflexões mais pro­fun­das, que lancem luzes sobre o que chamamos de fato de mudança e pro­gres­so na educação.

2 Plu­ga­dos ou perdidos 

Esta­va-se ain­da na metade da déca­da de 60 no sécu­lo pas­sa­do quan­do Eco ([s.d.]) lançou sua obra que se tornar­ia uma refer­ên­cia clás­si­ca a par­tir de então para estu­dos que enfrentavam as questões da cul­tura e o con­ceito, então muito em moda, de “cul­tura de mas­sas”. Na obra Umber­to Eco fala­va da pas­sivi­dade do herói dos quadrin­hos, o Super-Homem, que nun­ca esta­cionar­ia seu car­ro em uma vaga proibi­da nem tam­pouco usaria seus poderes para desafi­ar a ordem vigente. O poder vin­ha jun­to com uma estran­ha sub­serviên­cia ao estab­lish­ment. De fato, era o próprio estab­lish­ment.

Plu­ga­dos ou per­di­dos é uma nova expressão de dico­to­mia, recu­per­a­da por Bar­reto (2004), entre out­ros (em uma famosa col­u­na de econo­mia da época (Bet­ing, 1996) a expressão tam­bém foi usa­da. Ess­es autores pre­ocu­pam-se com o dis­cur­so que pres­supõem a tec­nolo­gia, de antemão, como dese­jáv­el, como pro­gres­so, a qual nos cabe tra­bal­har para “imple­men­tar”. O desafio é super­ar ape­nas as lim­i­tações do ambi­ente social e das pes­soas – mais especi­fi­ca­mente dos pro­fes­sores – pois é claro que a informa­ti­za­ção é esse novo Super-homem: capaz de trans­for­mar a real­i­dade social, na práti­ca per­eniza a situ­ação vigente. Para se con­tra­por, diz Bar­reto (2004, pg. 1185), é pre­ciso enten­der mel­hor a chama “sociedade da informação”:

“Em sín­tese, é pre­ciso car­ac­teri­zar a “sociedade da infor­mação” como uma artic­u­lação de empreendi­men­tos teóri­cos, econômi­cos e políti­cos. E, em se tratan­do dos estu­dos acer­ca de tec­nolo­gia e edu­cação, é impor­tante dis­tin­guir os que partem do seu ques­tion­a­men­to daque­les que assumem tal sociedade como pres­su­pos­to. Porque é jus­ta­mente no nív­el dos pres­su­pos­tos e implíc­i­tos que a ide­olo­gia opera no discurso.”

Emb­o­ra deix­e­mos de citar aqui pela exten­são da pesquisa necessária, a visão expres­sa no tex­to cita­do (Bar­reto, 2004) está ampla­mente fun­da­men­ta­da em autores respeita­dos. Nem de longe pode se ver esta cor­rente de pen­sa­men­to como pouco rep­re­sen­ta­ti­va ou desprovi­da de val­or acadêmico.

Voltan­do à imagem ini­cial con­struí­da pela auto­ra, estar plu­ga­do não é, por si só, uma solução, ain­da que a os com­puta­dores, a comu­ni­cação mobile e a inter­net ten­ham pas­sa­do a faz­er parte tão grande e inten­sa das nos­sas vidas.

2.1 O papel do coordenador

A Prefeitu­ra de Cam­po Grande dis­põe na sua área edu­ca­cional de uma Divisão de Tec­nolo­gia Edu­ca­cional que elen­ca des­ta for­ma as atribuições de um Coor­de­nador de Tec­nolo­gia e Ino­vação”, con­forme o site da insti­tu­ição (“Coor­de­nador Pedagógi­co de Tec­nolo­gia e Ino­vação”, [s.d.]):

a) garan­tir o uso da sala de infor­máti­ca e demais tec­nolo­gias disponíveis na esco­la, com ativi­dades pedagóg­i­cas que prop­iciem a apren­diza­gem dos alunos;

b) sub­sidiar o pro­fes­sor no plane­ja­men­to e desen­volvi­men­to das ativi­dades pedagóg­i­cas, fomen­tan­do a inte­gração entre a sala de infor­máti­ca, bib­liote­ca e demais recur­sos disponíveis na escola;

c) dis­sem­i­nar os recur­sos tec­nológi­cos disponíveis na esco­la e da WEB 2.0, para a práti­ca pedagóg­i­ca autoral, colab­o­ra­ti­va e coletiva;

d) pro­mover for­mações (sessão de estu­do, sem­i­nário, ofic­i­nas e relatos de exper­iên­cias) com a par­tic­i­pação dos pro­fes­sores regentes e equipe téc­ni­co-pedagóg­i­ca, nas reuniões ou nos perío­dos de plane­ja­men­to cole­tivos, visan­do con­tribuições na práti­ca pedagógica;

e) geren­ciar a uti­liza­ção da sala de infor­máti­ca e dos demais recur­sos tec­nológi­cos, com vis­tas a evi­tar a ociosi­dade dos equipamentos;

f) man­ter atu­al­iza­dos os reg­istros de uso dos recur­sos tec­nológi­cos pelo pro­fes­sor regente;

g) elab­o­rar e zelar, sob a coor­de­nação da equipe téc­ni­co-pedagóg­i­ca, o agen­da­men­to de uso da sala de infor­máti­ca e demais tec­nolo­gias da infor­mação e comunicação;

h) respon­s­abi­lizar-se pela manutenção, con­t­role e fun­ciona­men­to dos equipa­men­tos, mobil­iários e mate­ri­ais da sala de informática;

i) aten­der às solic­i­tações de entre­ga de doc­u­men­tos, con­forme crono­gra­ma esta­b­ele­ci­do pela Divisão de Tec­nolo­gia Educacional/DITEC/SEMED;

j) par­tic­i­par, obri­ga­to­ri­a­mente, de cur­sos e even­tos pro­movi­dos pela Divisão de Tec­nolo­gia Educacional/DITEC/SEME.

Esta lista de atribuições repete. de for­ma mais detal­ha­da, o que podemos encon­trar em diver­sos tex­tos sobre o papel do Coor­de­nador de Tec­nolo­gia. É sem dúvi­da um obje­ti­vo de nív­el bas­tante opera­cional, uma lista práti­ca que procu­ra ser coer­ente com as ativi­dades que se espera que o coor­de­nador realize.

Mas a frase “garan­tir o uso da sala e demais tec­nolo­gias disponíveis” do item a, é sufi­ciente para mostrar que se espera dess­es profis­sion­ais uma ati­tude de com­pro­mis­so com o que muitos tex­tos chamam de “mod­ernidade”:  ampli­ar a incor­po­ração das ativi­dades feitas através e com fer­ra­men­tas de TI à práti­ca diária do ensi­no. Por que razão? Porque é mod­er­no, é avança­do, porque todos temos que estar plu­ga­dos para ser­mos algu­ma coisa e dis­putar­mos os espaços de tra­bal­ho que a sociedade (ago­ra e ain­da mais no futuro) espera de nós.

O plane­ja­men­to das ativi­dades pedagóg­i­cas é tare­fa sub­sidiária e de apoio e ain­da assim visan­do a “inte­gração” e a “dis­sem­i­nação” não de novos e mel­hores con­teú­dos edu­ca­cionais, mas das fer­ra­men­tas e tec­nolo­gias, elas por si próprias trans­for­madas em obje­to do ensino.

Como perce­ber­e­mos em inúmeros tex­tos que exem­pli­fi­cam a visão dos que aqui esta­mos traduzin­do por plu­ga­dos, a intro­dução da tec­nolo­gia trans­for­ma-se em um fim em si mes­mo. Os adje­tivos: mod­er­no, dig­i­tal, avança­do, tec­nológi­co, são revesti­dos de uma aura pos­i­ti­va, como se isso por dis­pen­sasse a análise dos resul­ta­dos dese­ja­dos no plano da educação.

Claro que esta críti­ca não é nova, e ela já se reflete no pro­gra­ma do Gov­er­no Fed­er­al para a tec­nolo­gia edu­ca­cional nas esco­las (Sobre o PROINFO — por­tal do FNDE, [s.d.]):

“O Pro­gra­ma Nacional de Tec­nolo­gia Edu­ca­cional (ProIn­fo) foi cri­a­do pelo Min­istério da Edu­cação, em 1997, para pro­mover o uso da tec­nolo­gia como fer­ra­men­ta de enriquec­i­men­to pedagógi­co no ensi­no públi­co fun­da­men­tal e médio. A par­tir de 12 de dezem­bro de 2007, medi­ante a cri­ação do Decre­to n° 6.300, foi reestru­tu­ra­do e pas­sou a ter o obje­ti­vo de pro­mover o uso pedagógi­co das tec­nolo­gias de infor­mação e comu­ni­cação nas redes públi­cas de edu­cação básica.”

Mas ape­sar da atu­al­iza­ção do con­ceito, refletindo a pre­ocu­pação com o uso pedagógi­co, a atu­ação do pro­gra­ma se dá da seguinte for­ma: “o MEC/FNDE com­pra, dis­tribui e insta­la lab­o­ratórios de infor­máti­ca nas esco­las públi­cas de edu­cação bási­ca. Em con­tra­parti­da, os gov­er­nos locais (prefeituras e gov­er­nos estad­u­ais) devem prov­i­den­ciar a infraestru­tu­ra das esco­las, indis­pen­sáv­el para que elas rece­bam os com­puta­dores” (Sobre o PROINFO — por­tal do FNDE, [s.d.]).

2.2 A coor­de­nação possível

O desafio do coor­de­nador de tec­nolo­gia nas esco­las é na ver­dade aux­il­iar na solução de um desafio maior da infor­máti­ca na edu­cação, e não ape­nas na esco­la, no lab­o­ratório de infor­máti­ca ou no ensi­no dos pro­fes­sores a oper­ar um novo soft­ware. Seu papel é aux­il­iar, claro, mas não pode deixar de lig­ar-se aos resul­ta­dos edu­ca­cionais pro­pos­tos, e não aos resul­ta­dos da tec­nolo­gia. Pre­cisa faz­er da tec­nolo­gia o instru­men­to, e não o fun­da­men­to da sua atuação.

A propósi­to, a leitu­ra de Bas­tos (2017) sobre a exper­iên­cia da Fin­lân­dia com seus mod­e­los edu­ca­cionais, que se ben­e­fi­cia­ram enorme­mente do novo ambi­ente dig­i­tal, evi­den­cia sobre­tu­do as difer­enças cul­tur­ais da sociedade fin­lan­desa em relação ao Brasil. Não se tra­ta de ape­nas de colo­car com­puta­dores na esco­la: a sociedade fin­lan­desa tin­ha um con­ceito pro­fun­da­mente arraiga­do de val­oriza­ção do seu sis­tema de ensi­no que pos­si­bil­i­tou enormes avanços, mas a tec­nolo­gia foi ape­nas meio nesse processo.

O que bus­co evi­den­ciar aqui é uma difer­ença que pode até pare­cer sutil, mas é a essên­cia da incom­pat­i­bil­i­dade de opiniões ente plu­ga­dos e per­di­dos. Tra­ta-se do recon­hec­i­men­to de que a edu­cação é trib­utária dos gan­hos que podem ser opor­tu­niza­dos pela tec­nolo­gia na sala de aula, mas não se pode pôr a tec­nolo­gia à frente do proces­so. Plu­gar-se à rede não tor­na nos­sas vidas mais felizes nem nos­sa edu­cação mel­hor. Mas se con­struí­mos vidas mel­hores, uma sociedade mel­hor, uma edu­cação mel­hor, usar a tec­nolo­gia pode ser uma fer­ra­men­ta impor­tante nesse caminho.

Em Soffn­er (2013), podemos encon­trar uma ten­ta­ti­va de medi­ar as questões da intro­dução da tec­nolo­gia bus­can­do duas visões clás­si­cas sobre a edu­cação, em Paulo Freire e Sey­mour Papert. Ele apre­sen­ta dessa for­ma sua prin­ci­pal con­clusão (Soffn­er, 2013, pg. 159–160):

A con­strução de uma nova edu­cação dev­erá tirar proveito, mas tam­bém garan­tir o aces­so à infor­mação e aos con­teú­dos, fazen­do do edu­can­do um desco­bri­dor, tal qual pesquisador de seu tem­po. Tec­nolo­gias habili­tam o apren­dente nes­sa explo­ração. Paulo Freire disse que ninguém edu­ca ninguém, mas ninguém se edu­ca a si mes­mo. O proces­so de edu­cação vem, por­tan­to, da comunhão dos home­ns, medi­a­ti­za­dos pelo mun­do. A tec­nolo­gia tem sua função como parte deste meio, já que pode pro­mover a colab­o­ração e inter­ação entre os home­ns; é, por­tan­to, fun­da­men­tal nos proces­sos pedagógi­cos e educacionais.

2.3 O pro­fes­sor e a tecnologia

Mil­hares de tex­tos podem ser obti­dos rap­i­da­mente na inter­net refletindo queixas ou difi­cul­dades de pro­fes­sores no tocante à sua relação com a tec­nolo­gia. Grande parte expres­sa difi­cul­dades que de fato tem mais a ver com tradi­cionais reivin­di­cações da cor­po­ração diante da real­i­dade salar­i­al brasileira e do fato que os Gov­er­nos, aqui, são os con­tratantes pre­dom­i­nantes dos pro­fes­sores. Assim fala-se muito na neces­si­dade de “capac­i­tar” pro­fes­sores (até porque os salários baixos difi­cul­tavam até recen­te­mente que os pro­fes­sores tivessem com­puta­dores em casa). Essa real­i­dade se mod­i­fi­ca com a com­putação móv­el: nun­ca ouvi ninguém pedin­do capac­i­tação para usar celular.

De fato, o prob­le­ma da inclusão dig­i­tal, tão fal­a­do, tem sido resolvi­do pela indús­tria com a redução de preços e esforços de ven­da que fiz­er­am da comu­ni­cação móv­el um bem quase indis­pen­sáv­el na vida moderna.

Os coor­de­nadores de tec­nolo­gia nas esco­las gas­tam com certeza muito pouco tem­po para habil­i­tar pro­fes­sores a usar o What­sApp ou o Insta­gram. E essas duas fer­ra­men­tas, com certeza, podem ser instru­men­tos de ensi­no. Mas não se espera da figu­ra do “coor­de­nador de tec­nolo­gia” a capac­i­tação dos usuários para usar este recur­so. Por quê? Porque a práti­ca social já tornou desnecessária essa preocupação.

Com isso quero enfa­ti­zar que na medi­da que a sociedade se tor­na mais dig­i­tal, reduz-se a neces­si­dade de medi­adores, de instru­tores para essa práti­ca social. E com isso, o papel da tec­nolo­gia aparta­da da vida. Nen­hu­ma esco­la jamais teve coor­de­nadores para ensi­nar a usar giz, cader­nos ou quadros-negros. Mas hoje, ain­da pre­cisamos de ori­en­tação espe­cial­iza­da em inúmeras ativi­dades de TI, mas alguém tem dúvi­da sobre a eficá­cia com que a própria indús­tria incor­porou mecan­is­mos de ensi­no do uso do com­puta­dor ao soft­ware e sobre­tu­do às inter­faces? Como é fácil por exem­p­lo hoje insta­lar uma rede domés­ti­ca para usar o wi-fi sim­ples­mente com­pran­do um roteador no super­me­r­ca­do e insta­lan­do em quinze min­u­tos com o apoio de um app no celu­lar? Quem pre­cisa de coor­de­nador de TI para isso?

E por out­ro lado, voltan­do à dico­to­mia plu­ga­dos e per­di­dos, se é muito fácil e práti­co usar o Insta­gram no dia a dia, inclu­sive nas esco­las, não é ver­dade que seja fácil uti­lizá-lo para edu­car. Uma recente revisão de exper­iên­cias edu­ca­cionais utilizando‑o (Pereira et al., 2019, pg. 15) chega a uma con­clusão desalen­ta­do­ra: “a pesquisa rat­i­fi­cou a pos­si­bil­i­dade de uso do Insta­gram para a pro­moção do apren­diza­do, por meio do plane­ja­men­to educa­ti­vo e com uma par­tic­i­pação de toda comu­nidade acadêmi­ca, … mas não hou­ve nen­hu­ma pro­pos­ta que ten­ha ofer­e­ci­do um mod­e­lo de suces­so real.”

Volta­mos, por­tan­to, ao papel pri­mor­dial do pro­fes­sor e dos req­ui­si­tos de com­preen­são do que se quer em um pro­je­to edu­ca­cional. Não bas­ta dis­por de tec­nolo­gia, não bas­ta que ela seja sim­ples e acessív­el, não se tra­ta de por no coor­de­nador de tec­nolo­gia ou na disponi­bil­i­dade dos recur­sos a cul­pa do prob­le­ma. Não, des­ta vez a cul­pa não do coor­de­nador de TI.

3 Con­clusões

Recor­re­mos à dico­to­mia plu­ga­do e per­di­dos para enfa­ti­zar uma dis­tinção rad­i­cal nas ideias sobre a edu­cação. De um lado, autores que se pre­ocu­pam com o cenário de dom­i­nação cul­tur­al, que veem na edu­cação um proces­so con­tes­ta­dor do estab­lish­ment, que querem evi­tar a per­pet­u­ação de cer­tas relações de poder denun­cian­do a for­ma de como ide­olo­gias tidas como opres­so­ras se insin­u­am no dis­cur­so na mod­ernidade e com isso afas­tam a edu­cação de uma per­spec­ti­va transformadora.

Do out­ro lado, o dis­cur­so dos plu­ga­dos muitas vezes é sim­plista ao extremo, aderindo à noção de que a mod­ernidade está logo ali, bas­ta ter­mos o novo com­puta­dor, o novo celu­lar e faz­er­mos da edu­cação ape­nas o instru­men­to da capac­i­tação das pes­soas para um “novo mun­do”, novo porque é tec­nológi­co, mod­er­no e da moda, e não novo porque é o mun­do que queremos.

Na situ­ação de sociedade per­iféri­ca, onde a novi­dade tec­nológ­i­ca chega por últi­mo, ade­r­i­mos por vezes à ideia de que alcançar esta mod­ernidade se fará com a “imple­men­tação” de uma nova moda tec­nológ­i­ca, uma nova fer­ra­men­ta, um novo ape­lo qual­quer da sociedade de consumo.

Por isso a figu­ra do “coor­de­nador” de TI como o inter­mediário desse choque cul­tur­al: o expert que prepara nos­so ambi­ente anacrôni­co, fora da moda e inefi­caz, para um out­ro onde pare­ce­mos mais mod­er­nos e efi­cientes porque ago­ra temos com­puta­dores e laboratórios.

O con­fli­to plu­ga­dos e per­di­dos gan­ha ares na esco­la que omitem a racional­i­dade. A “resistên­cia à mudança” é ago­ra cen­tral nas relações, e chega ao pon­to de em muitos casos fun­da­men­tar o próprio ensi­no na preparação das pes­soas para o uso dos com­puta­dores, inver­tendo a relação do homem com suas fer­ra­men­tas: edu­camos os home­ns para servir aos computadores.

Não se tra­ta de um retorno ao lud­is­mo, à visão anacrôni­ca de rejeição das máquinas e da noção de pro­gres­so, claro. Tra­ta-se de per­mi­tir no proces­so de ensi­no e apren­diza­gem a con­strução com liber­dade dos resul­ta­do que quer­e­mos, não resul­ta­dos sub­or­di­na­dos tec­nolo­gia, por mais que ele seja base efe­ti­va de con­strução do progresso.

O papel do coor­de­nador de tec­nolo­gia nas esco­las clara­mente será o de super­ação, por anacro­nis­mo. No futuro, talvez lem­bre­mos dele com o saudo­sis­mo de como hoje falam­os do anti­go bedel nas esco­las. Cer­ta­mente o futuro da tec­nolo­gia é a super­ação das bar­reiras e difi­cul­dades de uso e mas­si­fi­cação no dia a dia. Não está longe o momen­to de usar­mos nas esco­las a inter­net das coisas e seus recur­sos, coman­dan­do os dis­pos­i­tivos por voz e crian­do com muito mais facil­i­dades os con­teú­dos edu­ca­cionais dig­i­tais que pre­cisamos. Isso sig­nifi­ca val­oriza­ção do con­hec­i­men­to fim em detri­men­to do know-how, do como faz­er. Se eu pre­ciso de alguém para inter­me­di­ar min­ha relação com a tec­nolo­gia, algo está errado.

O que não sig­nifi­ca que a TI, como novo e impor­tante seg­men­to pro­du­ti­vo na econo­mia, não req­ui­site muito tra­bal­hadores espe­cial­iza­dos e que cam­in­ho da espe­cial­iza­ção exi­ja cada vez mais qual­i­fi­cações distintas.

Mas a essen­cial na edu­cação tem a ver com a per­gun­ta “para quê se edu­ca?”. Não é respon­den­do “como podemos edu­car usan­do com­puta­dores” que respon­der­e­mos ao dile­ma cru­cial que se impõe para a sociedade mod­er­na (ain­da que essa questão não seja des­im­por­tante). Coor­de­nadores de infor­máti­ca serão tan­to mais capazes de desem­pen­har com efi­ciên­cia seu mis­ter se forem capazes de com­preen­der as questões de fun­do envolvi­das no problema.

4 Refer­ên­cias Bibliográficas

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[1] Econ­o­mista. Espe­cial­iza­ções em Ciên­cias Soci­ais (Esta­do e Sociedade no Nordeste do Brasil, UFS) e Gestão Orga­ni­za­cional (Empreende­doris­mo), UFS. Mes­tran­do em Tec­nolo­gias Emer­gentes em Edu­cação pela Must Uni­ver­si­ty. E‑mail: josedeoliveira.junior@gmail.com.

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Oliveira Jr.

Economista. Especialista em Ciências Sociais (Estado e Sociedade no Nordeste do Brasil) e Empreendedorismo. Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação (Must University, 2022).

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